A Carta
Desejo e dissimulação movimentam este clássico de William Wyler com Bette Davis.
C&N
Não obstante certa fama de voluntariosa, alguns diretores trabalharam com ela em mais de um filme. William Wyler(1902-1981) fez três, todo para a Warner onde Bette era a estrela maior. Merecidamente, um dos mais respeitados cineastas de toda a história de Hollywood, esse europeu nascido na antiga Alsacia que sempre se saiu bem em todos os gêneros (suspense como Horas de Desespero e faroestes da lavra de Da Terra Nascem os Homens), era valorizado também pela incrível capacidade de extrair o melhor de seus intérpretes. Daí alguns terem obtido prêmios por atuações em seus filmes. Caso da própria Bette em Jezebel, de Greer Garson emRosa da Esperança, Audrey Hepburn em A Princesa e o Plebeu e Charlton Heston por Ben Hur, todos agraciados com o Oscar, e da dupla formada pelos então estreantes Terence Stamp e Samantha Eggar em O Colecionador, laureada no festival de Cannes.
A Carta (The Letter) foi o segundo longa de Wyler com Bette. Ela é Leslie Crosbie, a esposa de Robert Crosbie (Herbert Marshall), um rico agricultor na antiga possessão inglesa de Singapura. No começo, Leslie mata Hammond, um amigo também ocidental. Sua alegação é que ele chegou inesperadamente em sua casa e tentou violentá-la. Mas, no curso da investigação, o advogado Howard (James Stephenson), também amigo dos Crosbie, fica sabendo que a viúva Hammond (Gale Sondergaard) tem uma carta de Leslie convidando o falecido marido para visitá-la e deixando claras as suas intenções amorosas. A chantagem é estabelecida.
A base do filme é uma peça de W. Somerset Maughan (1874-1965), o popular escritor inglês nascido na França. Da sua obra, surgiram mais de 130 produções para a TV e o cinema, sendo que A Carta já tinha sido levada à tela em 1929 por Hollywood, com a americanaJeanne Eagels e Herbert Marshall fazendo o amante assassinado, e em 1931, na Espanha, com Carmen Larrabeiti. Na versão de Wyler, a origem teatral fica disfarçada por uma narrativa ágil, como todas aquelas feitas pelo cineasta mesmo quando trabalhava com enredos intimistas (O Colecionador, Horas de Desespero). Em suas mãos, a câmera não perde tempo, expõe rapidamente o ambiente o fato principal. Caso aqui do início em que movimentos panorâmicos mostram o cenário externo da propriedade rural e os seus nativos.Repentinamente a tranquilidade das cenas é rompida por tiros. A sequência em que Leslie dispara seguidamente é antológica, em poucos minutos já transmite o clima de tensão que se estabelece, bem acentuado pelos acordes da música de Max Steiner e pelafotografia em preto e branco de Tony Gaudio. O diretor também é hábil para dimensionar as diferenças de classe social e étnicas que existiam naquele contexto de colonização. Não são necessárias palavras, apenas imagens.
Hoje, a personagem de Leslie perde convicção nas primeiras explicações. Isso porque o espectador atual sabe que dificilmente podeesperar bondade e conduta virtuosa de uma personagem vivida por Bette Davis. E aqui, a dissimulação e a ausência de escrúpulos vão, gradativamente, se tornando evidentes pelos olhares de alguns empregados e por ela mesma. A grande atriz só perde impacto quando contracena com Gale Sondergaard (1899-1995). Essa americana de origem sueca que viu a sua carreira ser truncada pela famosa “caça as bruxas” movida pelo senado americano por volta de 1950 contra artistas de esquerda, mesmo sem abrir a boca tem uma presença fantástica, eivada em rancor e fatalismo.
Gale vive uma eurasiana. Os rígidos códigos de moral que imperavam em Hollywood não permitiram a personagem aparecer como umanativa autêntica e também reprimiram o final original da peça. Uma adúltera e assassina como Leslie, no cinema americano de então, jamais terminaria sem punição. Porém, essas alterações em nome das hipócritas regras de moral e bons costumes não empanam a densidade luxuriante e a beleza de A Carta, um grande clássico.
Alfredo Sternheim é cineasta, jornalista e escritor.
A Carta (The Letter – Estados Unidos - 1940 - 95’) Direção: William Wyler Com: Bette Davis, Herbert Marshall, James Stephenson, Gale Sondergaard, Bruce Lester, Frieda Inescort, Victor Sen Yung, Doris Lloyd, Willie Fung, entre outros.
DVD Menu interativo - Seleção de cenas Tela: Fullscreen (4.3) Áudio: (2.0) Idioma: inglês Legenda: português
Distribuição: Classicline
Alfredo Sternheim
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